sábado, 17 de fevereiro de 2018

Seis breves poemas de Adonis


I.

Hoje o céu escreveu o seu poema
com tinta branca
Chamou-lhe neve


II. 

Uma rosa sai do seu leito
pega nas mãos da manhã
para esfregar os olhos


III.

Arco-íris?
Unidade do céu e da terra
entrançados numa só corda


IV.

Como é estranho este pacto
entre as vagas e a margem - 
a margem escreve a areia
as vagas apagam a escrita


V.

Para chegar à luz
tens de te apoiar na tua sombra


VI.

Não podes ser lanterna
se não levares a noite
às costas





Adonis (1930) ¹







(Tradução de Nuno Júdice in "O Arco-Íris do Instante", D.Quixote, Outubro de 2016)









(1) Adonis nasceu Ali Ahmad Said Esber, em 1930, na Síria. 
Nos finais da década de 50, frustrado com o firme conservadorismo das crenças e modos de vida no seu país, mudou-se para Beirute, no Líbano, onde viria a trabalhar na Shi'r, uma das revistas literárias mais emblemáticas do mundo árabe. Aí desenvolveu esforços no sentido de apoiar a produção jovem e de dar a conhecer a todas as gerações interessadas a poesia de autores ocidentais. Foi por esse intuito que se tornou o primeiro árabe a traduzir integralmente para a sua língua nativa as "Metamorfoses" de Ovídio. O pseudónimo adoptado surge nesse contexto de louvor a uma cultura que artisticamente tanto apreciava. 
Em 1985 exila-se em Paris, onde actualmente vive. Tem uma obra de mais de cinco dezenas de livros de poesia, além de trabalhos de tradução, crítica e ensaio. É justamente considerado uma das figuras mais proeminentes da literatura árabe, desde logo pelo seu movimento de ruptura em relação aos padrões artísticos pré-estabelecidos nessa parte do mundo, bem como pelo carácter reformador e extremamente original do seu pensamento e, claro, obra editada. O vincado modernismo pelo qual sempre pautou as suas produções é ainda celebrado nos mais diversos círculos da crítica competente. 
Em 2011 tornou-se o primeiro poeta árabe a receber o Prémio Goethe. Por diversas vezes foi apontado ao Nobel, mas o feliz anúncio tem tardado a chegar.







(Foto via CNN)



4 comentários:

  1. Filosóficos, lindos e profundos e não fogem a realidade das naturezas. compartilhei.

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    1. Agradeço o seu gesto, Lígia. Volte sempre que o desejar.
      Beijos.

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  2. Toda a espiritualidade gera em si e renasce em nós em poemas de encanto.

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    1. Muito obrigado pela sua apreciação. Apenas lamento a demora na minha resposta, mas antes não ma foi possível dar - dado que somente hoje me apercebi do seu comentário. Embora tardio, aqui fica o devido agradecimento.
      Abraços.

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