I.
Se tirares água, pensarás que as montanhas se movem;
se levantares o véu, verás a fuga das falésias.
II.
Quando o peixe se move, turvam-se as águas;
quando o pássaro voa, uma pena.
III.
Sentada calmamente sem coisa alguma fazer,
aparece a primavera, e cresce a erva.
IV.
Colhe flores, e as tuas vestes ficarão perfumadas;
tira água, e a lua estará nas tuas mãos.
(Anónimos)
(Poemas mudados para português por Herberto Helder, in "O Bebedor Nocturno" - Assírio & Alvim, 2013).
(*) Estes poemas, cuja autoria e origem não dá conta o seu tradutor, daí termos optado por apenas creditá-los como anónimos, aproximam-se bastante do ideal de Koan, muito utilizados nas tradições budistas, especialmente no Zen. Poderão estes ser um diálogo, uma brevíssima narrativa, uma simples frase e até um poema, como aqui os considerámos, seguindo a ideia do tradutor.
O importante nestes textos é a interrupção do fluxo racional em quem os lê, daí que amiúde sejam tão paradoxais, não se coibindo até de ultrapassar as fronteiras do absurdo. O intento final, portanto, indo além da razão, é o de proporcionar o estado de satori, a iluminação, no ente que os estudar.
Um dos mais famosos Koan: «Qual é o som de uma só mão batendo palmas?». É intento do Zen que cada resposta seja única, isto é, que cada leitor encontre a sua própria solução. A resposta vive para além do certo e do errado, sendo apenas o reflexo da natureza e da maturidade de consciência daquele que sobre o texto se debruçar.
(Um monge em zazen)