terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Quatro poemas Zen anónimos (*)


I.


Se tirares água, pensarás que as montanhas se movem;
se levantares o véu, verás a fuga das falésias.



II.


Quando o peixe se move, turvam-se as águas;
quando o pássaro voa, uma pena.



III.


Sentada calmamente sem coisa alguma fazer,
aparece a primavera, e cresce a erva.



IV.


Colhe flores, e as tuas vestes ficarão perfumadas;
tira água, e a lua estará nas tuas mãos.




(Anónimos)







(Poemas mudados para português por Herberto Helder, in "O Bebedor Nocturno" - Assírio & Alvim, 2013).









(*) Estes poemas, cuja autoria e origem não dá conta o seu tradutor, daí termos optado por apenas creditá-los como anónimos, aproximam-se bastante do ideal de Koan, muito utilizados nas tradições budistas, especialmente no Zen. Poderão estes ser um diálogo, uma brevíssima narrativa, uma simples frase e até um poema, como aqui os considerámos, seguindo a ideia do tradutor. 
O importante nestes textos é a interrupção do fluxo racional em quem os lê, daí que amiúde sejam tão paradoxais, não se coibindo até de ultrapassar as fronteiras do absurdo. O intento final, portanto, indo além da razão, é o de proporcionar o estado de satori, a iluminação, no ente que os estudar. 
Um dos mais famosos Koan: «Qual é o som de uma só mão batendo palmas?». É intento do Zen que cada resposta seja única, isto é, que cada leitor encontre a sua própria solução. A resposta vive para além do certo e do errado, sendo apenas o reflexo da natureza e da maturidade de consciência daquele que sobre o texto se debruçar.










(Um monge em zazen)






terça-feira, 2 de janeiro de 2018

REGRESSA ENFIM (Poema à guisa de conselho para o ano que se inicia)


Quanto tempo mais andarás a ré? Dá um passo em frente! 
Não te percas para a descrença, entra na religiosidade.
No sofrimento vê brandura: vai ao encontro dela.
Regressa enfim à génese da tua origem.

Embora pareça que sejas um filho da Terra,
és o Filho das pérolas da certeza,
o fiel guardião do tesoiro da Luz Divina.
Regressa enfim à génese da tua origem. 

Quando te empenhares no desapego de ti mesmo,
sabe que ficarás livre do teu "Eu",
que escaparás dessa prisão de mil armadilhas.
Regressa enfim à génese da tua origem.

És da linhagem de Adão, o Califa de Deus,
mas vergaste o olhar para este mundo infame,
e agora satisfazes-te com meras migalhas.
Regressa enfim à génese da tua origem.

Embora o mundo te tenha ainda em suas correntes,
em teu coração és um tesoiro por descobrir.
Abre agora os olhos interiores, os olhos do Amor:
regressa enfim à génese da tua origem.




Rumi (1207 - 1273)











(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução inglesa de Andrew Harvey in "Teachings of Rumi" - Shambhala Pub., 1999)