I.
Hoje, como sempre,
tal qual um peregrino obsessivo,
continuo a caminhar, sempre em frente,
batendo uma e outra vez
o gongo budista do meu coração.
II.
Pergunto-me: quantas mais
montanhas e rios terei de atravessar
até atingir o lugar onde a solidão
enfim termina? A viagem começa,
novamente.
III.
Assim que adormeces,
a noite, tão mal iluminada,
vai-se tornando gentilmente
fragrante, como uma flor
de citrus-tachibana. (*)
IV.
A alguma distância, trovões
rugem como deuses. No entanto,
aqui a chuva não chega - debaixo
das nuvens carmesins do ocaso
continuo só, aquecendo sake. (**)
V.
As folhas das palmeiras
florescem, assim como a canola;
e as espigas de trigo balançam,
resplandecem, ondulam, reverberam
- que longo, longo dia.
Wakayama Bokusui (1885 - 1928)
(Versões de Pedro Belo Clara a partir das traduções em inglês de Gregory Dunne e Goro Takano)
(*) Mesmo arriscando a diminuição da beleza poética do texto, optou-se por manter o nome científico na árvore em causa, tal como figura na tradução inglesa, por não existir na língua portuguesa uma tradução exacta. A citrus-tachibana é um citrino bastante parecido com a tangerina, também ela um fruto nativo da Ásia, mas não é comestível. Por esse motivo, as traduções mais aproximadas, como "tangerina" ou "laranja-mandarim", tornar-se-iam muito pouco exactas. Este fruto cresce de modo selvagem no seu espaço natural, o território do Japão, e só poderemos imaginar como o aroma das suas flores se assemelha ao das tangerineiras que tão bem conhecemos.
(**) Bebida alcoólica japonesa feita a partir da fermentação do arroz, após passar por um processo de remoção dos seus óleos e proteínas naturais. Tradicionalmente bebe-se à temperatura de 35º C, embora não de modo exclusivo, já que consoante as temperaturas em que for consumido o sake adquire diferentes sabores.
(A estátua do poeta, no parque cultural de Miyazaki)
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