terça-feira, 21 de julho de 2015

Fomos nós que plantámos



Fomos nós que plantámos
e colhemos o arroz.

Fomos nós que a madeira
empilhámos nas margens
das águas claras e onduladas do rio.

Os senhores não semeiam nem colhem,
mas recolhem
trezentos alqueires de trigo.

Jamais vão à caça,
mas têm javalis
pendurados nos pátios das suas casas.

Ah, esses senhores 
que não necessitam
de trabalhar para comer!



Shi Jing - o "Livro das Odes" (*)


(Versão de Pedro Belo Clara a partir da tradução de João C. Reis, em "Quinhentos Poemas Chineses" (Nova Vega, 2014)). 





(*) Este poema, anónimo, encontra-se compilado no Shi Jing, ou "Livro das Odes". 
Trata-se da primeira recolha de poemas chineses de que se tem conhecimento. Ao que parece, a sua compilação deve-se a Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.). A importância de tal trabalho tê-lo-á mesmo levado a afirmar o seguinte: «Um homem que não estuda o Livro das Odes não deve sequer falar».
Composto por trezentos e cinco poemas, provavelmente escritos e cantados entre os sécs. XI e VI, a.C., o famoso livro exerceu uma tremenda influência em toda a poesia futuramente escrita na China.








segunda-feira, 13 de julho de 2015

CANÇÃO DOS CABELOS BRANCOS



O nosso amor, brioso como neve nas montanhas,
foi lustroso como a lua entre as nuvens.
Soube que irás deixar o velho pelo novo;
venho despedir-me de ti.

Hoje, bebemos um copo de vinho;
amanhã, cada um seguirá o seu rumo.
Pelo canal imperial iremos,
como águas fluindo para este ou oeste.

Porque me deverei sentir triste ou lúgubre
e como uma noiva chorar, lágrima após lágrima?
Tivesse casado com um homem de um só coração,
e mesmo de brancos cabelos não nos separaríamos.

Longas poderão ser as tuas linhas de pesca,
mas não apanharás as luzentes caudas dos peixes.
Se o teu amor fosse sólido e verdadeiro,
não te submeterias à tentação do dinheiro.





Zhuo Wenjun (século II a.C.) (*)



(Tradução da versão inglesa por Pedro Belo Clara).





(*) Zhuo Wenjun, nascida na província de Sichuan, China, durante a dinastia Han Ocidental, é considerada a primeira poetisa da história literária chinesa. 
Viúva desde muito cedo, protagonizou com o também poeta Sima Xiangru (179 a.C. - 117 a.C.) uma autêntica história de amor na antiguidade. 
Dizem as lendas que se tratou de "amor à primeira vista". Wenjun, que apreciava bastante os escritos de Xiangru, teve um vislumbre do seu amado na casa de Cho Wangsun, o magistrado da província de Lin Hong, na companhia de seu pai. Sima Xiangru interpretava um tema musical quando uma lufada de vento afastou a cortina que os apartava, permitindo assim o primeiro contacto entre os amantes. 
Trocadas as habituais juras, Wenjun e Xiangru fogem pela calada da noite para Sichuan, regressando apenas nove meses mais tarde. Renegada pela sua abastadíssima família, Wenju vê-se forçada a vender as suas jóias para abrir uma taberna com o seu novo marido.
Sima Xiangru teve uma vida atribulada, sendo inclusive vítima de diversos actos de inveja. Chegou, inclusive, a ser encarcerado durante um ano sem razão válida (valeu-lhe a amizade do próprio imperador). Após o seu casamento com Wenju, o imperador convoca-o para a capital. Caindo já nas graças do seu sogro, rapidamente se fatiga da vida na corte. Pede então transferência para Mounling, onde viria a conhecer uma jovem mulher pela qual se enamora. O desejo de a tomar por sua concubina torna-se incontrolável. 
É provavelmente nesse sentido que este poema foi escrito. Embora existam incertezas, ele é-lhe atribuído. Contudo, há quem defenda que o dito, sendo de Wenju ou não, somente exprime as flutuações do amor dos homens pelas mulheres. Pois, segundo a lenda, Wenju, sabendo do sucedido, escreve um poema ("Um Casal de Brancos Cabelos") e envia-o ao seu marido. Este, de tal modo tocado pelo sentimento exposto no escrito, abandona os seus planos e retorna a casa. 
Viveriam como nas histórias: felizes para sempre.









quarta-feira, 1 de julho de 2015

VIDA


Esta vida no meio de vinho e de canto,
Quanto tempo dura?
Momentânea como orvalho de madrugada,
Deixa-me o sofrer do seu passar. 



Cao Cao (155 - 220) (*)


(Tradução de Yao Feng, in "Quinhentos Poemas Chineses" (Nova Vega, 2014)).






(*) Cao Cao foi um dos grandes senhores de guerra durante os conflitos que originaram a queda da dinastia Han oriental. Mesmo tendo falecido no ano da sua instauração, é considerado uma figura central do conturbado período dos Três Reinos (220 - 280). Lançou as bases para a criação autónoma do Reino de Wei, sendo postumamente declarado Imperador Wu de Wei. Notável estratega militar, destacou-se pelo modo déspota do seu governar, não obstante o mesmo ter sido alvo de diversos elogios - um "déspota iluminado", portanto. Homem, apesar de tudo, de índole sensível, cultivou de modo sério os seus visíveis atributos poéticos.